A história, este irreversível movimento do tempo, não mente, dados, factos, feitos e defeitos, ainda que, por vezes, regimes, ditadores e fascistas a tentem adulterar. Em todas as épocas assiste-se ao percurso de homens com carisma, retórica ou capacidade de liderança, na mobilização dos povos, para a libertação do jugo colonial ou da tirania fascista, que, chegados ao poder, uns, se transformam, pela negativa. Alguns, até ousam, deixar obras faraónicas, outros carimbos de sangue, como marcas do consulado.
Por William Tonet
O MPLA, partido que sem eleições deveriam realizar-se ao abrigo dos Acordos de Alvor, entre os três movimentos de libertação nacional (FNLA, MPLA, UNITA), assumiu, segundo a realidade histórica, pela força das armas, o poder aos 11 de Novembro de 1975, tem no seu líder, António Agostinho Neto, aquele que proclamou a independência, “libertando os angolanos do jugo colonial português”…
Verdade ou mentira, pouco importa, salvo a de continuar calcinado no poleiro e de teimar em não realizar eleições insuspeitas, livres e justas, mesmo depois da morte de Neto, aos 10 de Setembro de 1979, em Moscovo, capital da Rússia.
O ex-líder do MPLA, no início da sua caminhada estudantil e de consciência libertária, conseguiu ter momentos altos de ética e moralidade, responsáveis pelo aglutinar de seguidores que, cegamente, acreditavam ser ele capaz de liderar com princípios de nobreza uma luta de libertação.
Ter sido um dos primeiros negros-assimilados a formar-se em Medicina, em Lisboa, depois preso, pela PIDE, por estar envolvido em bolsas de resistência, para a libertação do jugo colonial, catapultou a sua imagem, levando outros nacionalistas a terem por ele a estima bastante para o verem como potencial líder de uma luta de libertação.
Bafejado pela sorte, Neto recebeu de bandeja, o cajado do primeiro presidente do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), Mário Pinto de Andrade.
Mas da áurea de um intelectual distinto, ao assumir o leme, do movimento, em Kinshasa/Brazzaville, logo começou a denotar um carácter e temperamento sectário, dividindo os intelectuais, entre bons e maus, originando o surgimento da Revolta Activa, Rebelião da Jiboia e ainda os assassinatos macabros de 1964 a 1974, no interior da guerrilha dos dirigentes, Matias Migueis, José Miguel, Ferreaço, comandante Paganini e outros, contribuíram para ofuscar a imagem de um verdadeiro líder e médico humanista.
Apesar desses actos tenebrosos, viria a sobreviver ao Congresso de Lusaka, que o tiraria, por força do voto democrático do poder, durante 92 horas, para Daniel Júlio Chipenda, entretanto apeado do poder, pelo recurso à força das armas e uma bem urdida engenharia de contrapropaganda e fraude.
Mas, chegado a Luanda, recebeu o benefício da dúvida e um mar de ovação e seguidores de ver de perto o médico-poeta, bom ou medíocre pouco importava, no momento e época.
Mas quando se esperava uma nova forma de actuação, Neto não só se mostrava incompetente em unir as diferentes alas do MPLA, como refinava as execuções sumárias de adversários através de fuzilamentos, sem julgamento, como o do comandante Sotto Mayor, no chamado Campo da Revolução, em Luanda (na verdade este campo pertencente à Académica do Ambrizete – Nzeto).
Depois de proclamar a independência, não mediu tréguas na perseguição aos adversários políticos, prendendo muitos jovens dos movimentos estudantis e revolucionários de Luanda, constituindo-os em primeiros presos políticos da independência, na República Popular de Angola de António Agostinho Neto.
Mas, ainda assim, para uns, legitimamente, este político continua a ser um herói…
Para outros, legitimamente, é considerado um vilão…
E este epíteto resulta do facto de ter constituído, primeiro, uma das polícias políticas mais tenebrosas do mundo, a famigerada, DISA (Direcção de Informação e Segurança de Angola) e, depois, a maior chacina, em África: 27 de Maio de 1977, ao mandar assassinar velada e dolosamente, 80 mil cidadãos do seu próprio partido, com o refrão: “NÃO VAMOS PERDER TEMPO COM JULGAMENTOS!”
Meu pai, Guilherme Tonet foi vítima, esteve preso sem julgamento e culpa formada!
Meus dois tios: Fernando Tonet e Alberto Tonet, foram barbaramente assassinados, sem julgamento!
Eu, fui vítima, preso por Carlos Jorge “Cajó”, sem julgamento e culpa formada…
Outros mais conheceram o mesmo destino: assassinados de forma macabra, sem julgamento. Os sobreviventes e familiares, jamais esquecerão a barbárie, cometida a mando explícito do primeiro presidente de Angola.
Felizmente, por higiene intelectual, enquadro-me no grupo que o considera um anti-herói, ao não respeitar, pela ganância no poder e autoritarismo, a vida humana.
Matar os adversários parecia um hobby e, nem que estes fossem do MPLA, desde que pensassem diferente, serem arredados da cena política era imperativo.
Por isso não o considero um médico profundamente humano, pelo contrário, quem o é, não manda fuzilar, sem julgamentos, milhares e milhares de companheiros inocentes, por pensarem diferente.
Quem assim age coloca-se nas vestes de médico profundamente assassino.
Os grandes líderes não podem escrever poesias de morte, adorar Drácula, vampiros, sangue e poder…, mas textualizar harmonia, tolerância, senso de justiça, imparcialidade de julgamento, paz e democracia.
Têm legitimidade de pensar diferente, quem com ele trilhou os corredores de cumplicidade, timbrou as mãos de sangue, participou nas chacinas, na intoxicação psicológica e no projecto da roubalheira institucional, com a criação das Loja do Dirigente e Loja do Povo, maternidade da corrupção do regime.
Na construção da verdadeira história de Angola, o MPLA deveria abrir as páginas para um debate desapaixonado, sobre o consulado de Agostinho Neto, nos aspectos positivos e negativos. É necessário mostrar ter um legado, uma história real, memória e respeito pelo papel dos líderes.
Tentar, por caminhos ínvios, apagar a página dantesca e o percurso sinuoso do segundo presidente do MPLA, não é um acto comprometido com a verdade histórica, mas com a das castas fascistóides.
Um simples e deprimente exemplo da incultura do partido governista é o assassinato do carácter, do líder anterior, como condição de consolidação da nova liderança.
Foi assim no passado e é, no presente, senão vejamos:
Nos anos 60, quem mais apoiou a nomeação, não eleição de Agostinho Neto, para a liderança do MPLA, foi Mário Pinto de Andrade, primeiro presidente, que caricatamente, viria a ser copiosamente afastado e humilhado, pelo novo líder, que o afastou do próprio MPLA, levando-o ao exílio e mais tarde desembarcado na Guiné Bissau, onde chegou a ministro da Cultura.
É importante, também, lembrar nesta euforia de comemorar as datas de 10 (morte) e 17 (nascimento) de Setembro, como importantes por engajarem Agostinho Neto, a hipocrisia do MPLA, em não reconhecer, goste-se ou não, mas para a história é importante, diante de tanto ribombar, lembrar, ter sido, José Eduardo dos Santos, o único, exclusivamente, face ao poder absoluto, quem numa reunião do bureau político, primeiro e, depois, através de um decreto, em 1980, tornou Agostinho Neto, herói nacional e fundador da nação (sem saber o valor do conceito – Nação), mas esteja a ser esquecido…
Mas da perversão o MPLA, parece ter um sério compromisso, tanto assim é que, contra todos, sozinho, logo decisão unipessoal, numa reunião do bureau político e comité central, em 2016, José Eduardo dos Santos indicou João Lourenço para o substituir, sem direito a eleição, nem outras candidaturas e, pasme-se, chegado ao poder, o indicado é o primeiro a liderar uma campanha de “assassinato” político do antecessor, que governou, ditatorialmente, reconheça-se, por 38 anos…
Acusado de marimbondo e pai da corrupção, pese ser presidente emérito, a liderança do MPLA tem demonstrado falta de seriedade, ao assumir posições aceitáveis se vindas de partidos da oposição, como a da retirar a imagem de Dos Santos (1979-2017), das comemorações dos 45 anos de independência, mantendo, exclusiva e incompreensivelmente, as de Agostinho Neto (1975-1979) e João Lourenço (2017-2020). Ninguém acredita ter sido a ideia parida das cabecinhas de meia dúzia de meninos sem o conhecimento da nova liderança, principalmente, depois da retirada das notas.
Por tudo isso, por higiene intelectual, não idolatro, nem vejo uma dimensão de líder, em Agostinho Neto, principalmente, pela forma como liderou o país, no curto período de cerca de quatro anos.
Quem não gosta da lei, adora o totalitarismo, a fraude eleitoral, a enganação da história, seguramente, tem em Neto, pela propaganda enganosa de muitas mentiras, um líder sério, mas os milhões, como eu, que adora uma lei, sem vícios, de todos e para todos, não pode concordar, nem defendê-lo, omitindo os dois outros líderes dos movimentos de libertação: Holden Roberto e Jonas Savimbi.